quinta-feira, 17 de março de 2016

Florença

Resolvi ir à Florença porque aprendi no meu antigo emprego que ir à Itália e não fazer o trio Roma-Florença-Veneza, era pecado. Nem sabia ao certo o que existia lá para ver, provavelmente este era um daqueles destinos em que eu usava o discurso pronto “Caminhe por suas belas ruas e visite um ou dois museus”.

Florença foi um perrengue mesmo antes de eu chegar e continuou sendo até eu ir embora. Mas talvez tivesse sido um perrengue necessário.
Já começamos no trem partindo de Roma, dividi uma cabine-leito com 3 italianos, me esforçando para entender o que eles conversavam. E era a única forma de distração, já que foi o meu primeiro trecho sem wifi, sem uma tomada e com um livro que eu simplesmente não conseguia ler de forma alguma.
Não passei por nenhum “pânico por ser uma mulher e viajar sozinha” até tomar o trem Roma-Florença quando, na hora de dormir, um dos italianos que estava na minha diagonal ficava fazendo uns movimentos estranhos, enquanto deitado de bruços. A princípio, na minha inocência, imaginei que ele estivesse se ajeitando para dormir, até que realizei que ninguém se ajeita por mais de 10 minutos...

Florença, com seu ar medieval, não foi abençoada pela tecnologia do metrô ou do tram... mas tem ruas lindíssimas onde os carros pouco se atrevem a passar e as pessoas caminham admirando as casinhas que parecem terem saído de filmes. E foram por estas ruas que nós andamos... por 3 kilômetros e meio para chegar ao Hostel. Andamos.... eu, minha mochila nas costas, minha bolsa a tira colo, minha mala de mão pendurada no braço, minha mala vermelha de 23kg e mais outra bolsa apoiada na mala. Andamos até que a uns 200 metros do hostel, ao atravessar a rua, minha mala de 23kg resolveu ficar no chão enquanto a alça ficou na minha mão...
Florença me reservou o pior hostel de toda a trip, onde eu sequer pude levar minhas malas ao quarto pelos seus 3 lances de escadas estreitas (A tecnologia do elevador também parece não ter chego por lá). Florença me reservou o dia mais gelado até então, gelado demais para que a bateria do meu telefone aguentasse por mais de duas horas. Florença me reservou as entradas mais caras (as quais eu preferi não pagar).


Florença foi linda, desde o carrossel que me recebeu no meio da cidade medieval, até ao seu ar de cidadezinha do interior de Minas (mesmo sem eu nunca ter ido ao interior de Minas), passando pelo prazer do sabor dos gelattos (poderia viver disso), pela loucura do Mercado Central e a beleza fora do comum da Santa Maria del Fiore (entre os lugares mais bonitos que eu vi em toda a minha aventura).  Florença me deu um enorme poder de liberdade em poder substituir a Galleria Dell’Accademia e a Galleria degli Uffizi por alguns itens de maquiagem da Kiko, afinal de contas, a viagem é toda minha e eu posso fazê-la como desejar; depois de passar uma tarde inteira no Louvre e mais outra no Museu do Vaticano, eu já estava bem satisfeita de obras de arte. Florença foi tão linda, que eu nem me importava mais com os perrengues até então.



Mas Florença me tocou mesmo de outra forma, me fez ter consciência de uma parte de mim que eu não valorizava como deveria.

Meu trem para Veneza sairia à 01h30 da manhã, e assim como eu e as amadas malas andamos mais de 3km para chegar ao hostel, precisamos fazer o mesmo caminho de volta, dessa vez com uma mala quebrada. A manta que eu usava para amarrar as alças da minha mochila no meu corpo, tive que usar para tentar uma gambiarra na minha mala.

Eu e as amadas malas saímos do hostel pouco antes da meia noite, e entre as pessoas que iam ou voltavam dos bares estava eu, andando a 1km por hora, quase carregando a mala de 23kg na mão para que a alça não escapasse novamente, e agora com o incômodo da minha mochila escorregando dos meus ombros a todo instante já que eu não tinha mais com o que amarrá-la em mim. Você pode me perguntar o porque eu não comprei outra mala, pois eu te digo que o valor de uma mala nova era o valor que eu tinha para gastar por dia durante todo o resto da trip.
Andava por 2 minutos, parava, respirava, tentava de novo, quando a alça da minha mala ameaçava escapar, parava novamente, respirava, tentava de novo. Cogitei desrespeitar as leis do mochileiro e pegar um taxi, mas na parte medieval de Florença, logicamente não passava nenhum. E foi a primeira vez durante toda a trip que eu chorei de nervoso/raiva/desespero.

Mas sabe...?

Não durou tanto.

Quando olhei o relógio e o mapa, vi que faltava apenas 1 dos 3km do percurso, e que não tinha andado tão devagar assim, apesar das inúmeras paradas, então engoli o choro e continuei.

Durante aquele km restante, o pensamento foi de que aquela situação não era para qualquer pessoa. Não era para qualquer mulher carregar tanto peso, sozinha por uma madrugada de 3 graus. E por um momento eu lembrei de diversas vezes em que eu me rebaixei a situações que eu não merecia passar, que eu aceitei menos que eu valia, que eu me impus menos que eu podia. E concluí que eu não merecia nada daquilo.


Realizei então de que realmente aquela situação não era para qualquer pessoa, porque de fato eu não sou uma pessoa qualquer, e que se alguém quisesse andar comigo, teria que ser muito mais que qualquer pessoa. 


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